sábado, 23 de julho de 2011

De volta à escuridão, Amy Winehouse



"Você viu a Amy?" Foi assim que um amigo me deu a notícia. A resposta eu já sabia, mas esperei que ele dissesse. "Está saindo que ela morreu". Me veio uma mistura de sensações. Por um lado uma satisfação egoísta e bizarra por não ter perdido seu show em São Paulo. E por outro, a tristeza por não ter mais a chance de esperar nenhum trabalho novo de uma das artistas mais talentosas que conheci.

Amy Winehouse nasceu em Londres, num dia 14 de setembro, tinha 27 anos, uma ano mais que eu, vendeu milhões de discos ao redor do mundo e conquistou diversos prêmios, sendo a maior vencedora do Grammy 2008, uma espécie de Oscar da música. Porém, o talento musical reconhecido por crítica e público não foi o suficiente para fazer com que ela se tornasse mais famosa pelos escândalos envolvendo o seu vício em drogas. E para muitos, a artista era apenas uma caricatura.

O problema para o reconhecimento irrestrito da artista britânica era um só, sua doença, seu vício em cocaína, embora também bebesse e fumasse. E para as nossas convenções, não é bom ser viciada em drogas ilícitas. Mais simpático e divertido é a senhora que bebe pinga às escondidas na novela das oito. Porque esse é o mundo hipócrita em que vivemos, ao qual Amy, de fato, não pertencia.

A primeira vez que a ouvi tocava na rádio o single Rehab, famoso pelo refrão "They tried to make me go to rehab / But I said no, no, no" (em português "Tentaram me mandar pra reabilitação / Mas eu disse não, não, não"). Imaginei uma senhora grande, gorda, negra, a la Etta James (conheça Etta James http://www.youtube.com/watch?v=goz07feA54Y).

Pelo contrário. Me espantei ao descobrir numa pesquisa que, por trás do vozeirão afinado, mas pesado e bruto, havia uma branquela magricela, quase raquítica, com cabelo esquisito. E me espantei de novo e ainda mais quando, ao assistir um DVD do álbum Back to Black, achei que aquela mulher pálida conseguia fazer uma apresentação extremamente sexy, coisa com a qual poucos concordam.

Considerações à parte, Amy era um sopro de qualidade numa cena musical cada vez mais artificial e sem graça, por culpa da indústria musical e dos músicos também. Suas canções fundiam uma série de gêneros da música negra, como R&B, Soul, Jazz, Blues e até o Reggae. As letras falavam, na maioria dos casos, sobre desilusões amorosas da cantora.

Havia a sensação de que Amy se sentia constrangida sobre o palco. Era a última a entrar e a primeira a sair. Incapaz de saudar e se despedir, poucas vezes fitava o público. Olhava para o vazio a maior parte do tempo. Bebia uísque. Às vezes acenava aqui e ali, um sorriso também. Não era nenhum desprezo pelos fãs, mas, sim, muita timidez.

Introversão que não permitia que o seu show fosse algo monótono. Acompanhada por músicos raros em todos os instrumentos e backing vocals elétricos que não paravam de dançar um segundo, ainda assim Amy chamava a atenção, de forma quase hipnótica, em função de sua melancolia, que constratava com a força da sua voz e a vibração, mesmo nas canções mais tristes, de sua música.

Quando anunciada sua apresentação em São Paulo, senti que era uma oportunidade única para vê-la de perto. Chamei tantos amigos, com os quais tenho afinidade musical, quanto pude. E contra o preço salgado argumentava um quase mantra "pode ser a nossa única chance". Amy não foi nada parecida com o que já se viu em seus DVDs. Porém, diante das últimas crises com drogas, ela superou em muito minhas expectativas. Não me arrependo (como conta a jornalista Isadora Monteiro num texto, para dizer o mínimo, excelente. Leia: http://absurdo-mudo.blogspot.com/2011/01/carta-para-miss-winehouse-show-em-sao.html).

Amy deixa para trás um legado. Não é das artistas que vendem mais discos da nossa geração, também não fazia muitos shows por razões que são óbvias, mas é das poucas que ficarão para a história. De meados dos anos 1990 para cá, talvez seja a mais talentosa, para mim é. E, embora essa geração não seja espetacular em termos musicais, a cantora não deixou nada a desejar para os artistas clássicos de outras gerações. Coisa que parecia não importar para ela, que não devia ser dessas pessoas que ficam a listar e ranquear.

Ela não queria nem fazia mal a ninguém. Nunca jogou bomba ou saiu atirando em outras pessoas, como o que fez o sujeito extremista na Noruega, ontem. Tampouco se aproveitou da sua fama para angariar votos, se tornar política, roubar o dinheiro dos fãs e ainda ser louvada por isso, como fazem tantas celebridades, aqui no Brasil em profusão.

Não era uma santa, mas também não foi o diabo que pintam. Ela nunca solicitou a ninguém definições e nunca quis que a explicassem. Todo sujeito com o mínimo de razão e sem preconceito na cabeça pode perceber que ela foi uma artista excepcional, muito além das fofocas. Não a julguem mal.

Não gosto de escrever textos em primeira pessoa, mas nesse caso resolvi abrir uma exceção, não por oportunismo, mas por entender que é um registro histórico que não devo deixar passar e para que entendam o que sente um cara que aprecia música num momento como esse.

Nesse dia 23 de Julho de 2011, pare para entender e refletir o que faz desse mundo muito menos criativo e vibrante sem ela. Assim como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrisom, Kurt Cobain entre outros, Amy Winehouse, a partir de hoje, entra para o clube dos artistas subversivos, com um talento "estrondoso", que foram viciados em cocaína (entre outras drogas) e viveram pouco. Que estejam num lugar muito melhor do que aqui. Deixo abaixo a canção dela que considero a mais alegre.

http://www.youtube.com/watch?v=qtxB3K_l8Uc